A literatura, ao longo dos séculos, evoluiu de forma fascinante, refletindo transformações sociais, culturais e tecnológicas que moldaram o modo como lemos, escrevemos e interpretamos narrativas. Desde os primeiros registros em tábuas de argila até o advento das plataformas digitais, o impacto da literatura na sociedade sempre foi significativo. Contudo, a forma como a Geração Z consome e interage com a literatura marca uma ruptura sem precedentes, ao mesmo tempo em que carrega continuidades com o passado.
No início, a literatura era essencialmente oral, com histórias transmitidas por meio da palavra falada. Essa era de "literatura colaborativa" se caracterizava pela adaptação e evolução constantes de narrativas, muitas vezes moldadas pelos valores e crenças da época. Com o surgimento da escrita, as histórias tornaram-se mais fixas, permitindo o surgimento de novos gêneros e uma maior diversidade de propósitos, como a educação e o entretenimento. Os textos religiosos e os épicos, como "A Odisseia" e "A Bíblia", serviram de base para as narrativas formais na Europa e além.
Com o passar dos séculos, a literatura passou por transformações significativas. No Brasil, por exemplo, o Barroco, no século XVII, refletia a tensão entre a vida terrena e a espiritualidade. Já no século XIX, o Romantismo procurava criar uma identidade nacional, enquanto o Realismo, por sua vez, retratava a sociedade com um olhar crítico e desapegado. A construção das frases, nos romances de Machado de Assis, por exemplo, é econômica e irônica, refletindo a complexidade psicológica dos personagens. Compare isso com a explosão de experimentação do Modernismo brasileiro, na década de 1920, quando escritores como Mário de Andrade romperam com as convenções literárias e exploraram novas formas de expressão.
A revolução digital, no entanto, trouxe uma nova onda de mudanças. O estudo da literatura tradicional tornou-se apenas uma parte da narrativa mais ampla da literatura digital, em que e-books, audiolivros e plataformas de fanfictions estão moldando o futuro da leitura e da escrita. A Geração Z, a primeira a crescer com acesso constante à internet, revolucionou a forma como interage com a literatura. Eles consomem e-books em smartphones, escrevem fanfictions em plataformas como Wattpad, discutem obras em grupos, muitos livros mais vendidos tem sua força de marketing impulsionada na plataforma chinesa Tik Tok que muitas vezes é vista como uma plataforma para banalidades.
Se antes a literatura era uma experiência solitária, hoje, graças às redes digitais, ela se tornou um fenômeno colaborativo. Os jovens não apenas leem, mas comentam, compartilham e até criam suas próprias histórias, moldando-as de acordo com suas realidades e expectativas. O crescimento da literatura por meio de ferramentas digitais tem sido impressionante. Em 2023, o mercado global de livros digitais atingiu US$ 18 bilhões, com um aumento anual de 12%. Plataformas como Wattpad, que possuem mais de 90 milhões de usuários, e Amazon KDP, que publica cerca de 1 milhão de novos títulos por ano, têm democratizado o acesso à publicação. Cerca de 60% dos novos autores utilizam essas plataformas para autopublicação. Além disso, 35% dos leitores preferem livros digitais.
A literatura pode influenciar crenças e comportamentos. A Geração Z, por exemplo, está utilizando essas novas plataformas para desafiar estereótipos e promover a diversidade.
Mas nem tudo são flores. A velocidade com que a Geração Z consome conteúdo traz suas próprias limitações. As redes sociais e os blogs favorecem o imediatismo, e muitas vezes a profundidade da análise literária pode ser prejudicada pela natureza acelerada das plataformas digitais. O leitor de hoje pode pular de uma análise de "Hamlet" para um tweet sobre a nova temporada de "Stranger Things" em questão de segundos. A atenção fragmentada é uma característica dessa nova era.
Ainda assim, essa revolução digital oferece novos horizontes para a literatura. Teóricos como o determinismo tecnológico defendem que a tecnologia molda a cultura, e a literatura não é exceção. A literatura digital permite que mais pessoas tenham acesso a obras que, de outra forma, estariam fora de alcance. Autores independentes podem agora publicar suas histórias diretamente no Amazon Kindle, sem a necessidade de uma editora tradicional. A estrutura narrativa também mudou (contudo a narrativa clássica nunca se perdeu ela parece em novos textos e sua carcterística está sempre em uso por autores sobretudo por ter demanda pelo gosto de leitores) Com todas as histórias mais curtas, fragmentadas e frequentemente interativas, como na ficção hipertextual, ou texto longos mas coesos, a literatura clássica indelével. Muito mais do que a música que vai perdendo suas propriedades clássicas, a literatura mantêm mesmo em 2024 seu corpinho clássico enxuto e ao gosto de milhares de leitores.
A"alfabetização digital" é muito importante e vem emergindo como uma habilidade essencial, a maneira como lemos também mudou e muitos casos. Não basta apenas saber ler e interpretar textos impressos. Agora, os leitores precisam navegar por hiperligações, avaliar fontes e participar de discussões literárias em fóruns digitais, chats de booktubers, comentário em vídeos do nicho.. O que antes era um domínio restrito aos acadêmicos e entusiastas da literatura agora é acessível a qualquer pessoa com um smartphone e uma conexão com a internet.
Essa nova fase da literatura pode ser vista como uma sinfonia. A tradição, representada pelos textos clássicos, continua a fornecer o fundamento melódico sobre o qual a tecnologia e a cultura contemporânea dançam. Enquanto isso, a Geração Z, com suas ferramentas digitais e suas novas formas de expressão, toca uma nova melodia, dissonante às vezes, mas sempre inovadora e nunca completamente antagônica ou desencontrada da literatura clássica. É a junção desses elementos — o passado, o presente e o futuro — que está criando uma nova realidade literária, mas não uma evolução que elimina a forma clássica. É mais como um corpo humano a forma clássica o que muda são alguns estilos de vestimenta, mas o corpo sempre é respeitado e prevalece.
Alguns números de vendas de clássicos corroboram essa participação
continuada da literatura clássica.
Dom Quixote" – Miguel de Cervantes
Estimativa de exemplares vendidos em 2023: cerca de 500 mil exemplares mundialmente.
Total de vendas estimadas ao longo dos séculos: mais de 500 milhões.
Orgulho e Preconceito" – Jane Austen
Estimativa de exemplares vendidos em 2023: aproximadamente 400 mil exemplares mundialmente.
Total de vendas estimadas ao longo dos anos: mais de 20 milhões.
O Morro dos Ventos Uivantes" – Emily Brontë
Estimativa de exemplares vendidos em 2023: cerca de 300 mil exemplares mundialmente.
Moby Dick" – Herman Melville
Estimativa de exemplares vendidos em 2023: aproximadamente 200 mil exemplares mundialmente.
"1984" – George Orwell
Estimativa de exemplares vendidos em 2023: cerca de 1,2 milhão de exemplares mundialmente.
Voltando a evolução da literatura e sobretudo o impacto da Geração Z no futuro da literatura não pode ser subestimado. Eles são tanto consumidores quanto produtores ativos de conteúdo literário. As plataformas digitais não só democratizaram o acesso à literatura, mas também criaram novas formas de narrar histórias. À medida que o mundo se torna mais interconectado e a tecnologia continua a avançar, a literatura, em todas as suas formas, continuará a evoluir, refletindo as mudanças culturais e sociais de nosso tempo. Seja por meio de um romance de 400 páginas ou de uma fanfiction de 140 caracteres, a história continua — e nós estamos apenas no começo do próximo capítulo.