Não faz muito tempo que a jornalista e escritora Cristiane Correa recebeu uma mensagem do Sri Lanka. Do país distante e pouco falado, daqueles que a gente precisa correr no mapa para localizar, um jovem dizia que gostaria muito de ler seu livro, mas não tinha dinheiro para comprar a versão em inglês. “Imagino que seja bem longe porque só o frete custou mais de 100 reais”, conta, aos risos, a autora de Sonho Grande – Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e conquistaram o mundo. Desde 2013, quando lançou o livro, que descreve o bem-sucedido modelo de negócio e a história dos líderes à frente do fundo de investimentos 3G, não houve uma só semana em que a autora não recebesse uma mensagem, um pedido, um comentário. Muitos são para dizer o quanto a leitura transformou vidas. “De verdade, essa é a minha maior satisfação, o melhor retorno que tenho recebido”, diz.
Cris não escreveu um livro de autoajuda, uma ficção espetacular, nem a biografia de um famoso. Ela não é uma celebridade e não era uma escritora conhecida ao lançar a primeira obra. Mas seu livro de estreia alcançou a marca de 400 mil exemplares vendidos, ficou no topo da lista das obras de não ficção por 130 semanas, foi editado e lançado nos Estados Unidos, Coreia, Portugal, Taiwan, China e Vietnã.
Uma trajetória singular num país onde muitos livros não emplacam uma tiragem mínima de 3 mil exemplares, onde o segmento religioso é o único que apresentou crescimento expressivo e onde o mercado literário perdeu 40% de valor entre 2004 e 2015, de acordo com dados da pesquisa Produção e Vendas do Mercado Editorial, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Por que, afinal, Sonho Grande tornou-se um best-seller quando livros sobre negócios eram raridade no país? Quais são os caminhos, os segredos, as estratégias para uma vendagem espetacular?
O SEGREDO É… NÃO EXISTE SEGREDO
Se você é um escritor em potencial, com seus originais embaixo do braço, muita calma nessa hora, porque esta não é uma reportagem de autoajuda. Por um simples motivo: não há fórmulas prontas, nem fáceis. Há, sim, um conjunto de fatores que, somados, podem levar um título à cobiçada lista da revista Veja dos mais vendidos e às pilhas de exemplares que rapidamente se esgotam nas ilhas de lançamentos das grandes livrarias. Das estratégias de lançamento da editora ao segmento; da distribuição ao empenho do autor.
Comecemos, no caso de Cris, pela insistência. Jornalista, editora executiva da revista Exame, ela acostumou-se a contar cases de sucesso do mundo empresarial. Já havia feito matérias sobre Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Insatisfeita profissionalmente, achando que fazia mais do mesmo após 12 anos de carreira, saiu da redação. E seguiu com a convicção que o estilo de gestão criado pelo trio de investidores daria um bom livro, insight que havia tido em 2007.
Para se aproximar deles, tentou tudo. Matriculou-se em aulas de tênis, foi voluntária nas ONGs ajudadas por eles, marcou sucessivas conversas, ouviu inúmeros nãos. “Insisti durante quatro anos e nunca consegui autorização formal para fazer o livro. No final, tomei o risco. Eles, de fato, não participaram”, conta. Restou a ela o garimpo das fontes, que rendeu uma centena de entrevistas, o suficiente para esquadrinhar a trajetória dos empresários.
Cris passou um ano e meio mergulhada no projeto, sumiu do radar jornalístico e trabalhou incansavelmente no livro. Algum dinheiro guardado e um pequeno adiantamento da editora deram fôlego para escrever sem preocupações com o próprio sustento. Durante o processo, ela procurou pessoas que pudessem ajudá-la com dicas para refinar os métodos de trabalho, clarear as ideias. Ela conta:
“Tive humildade para perguntar, por exemplo, se existe uma meta diária para escrever, como organizar o volume colossal de informações apuradas, quantas páginas deve ter um livro”
Depois de Sonho Grande, Cris lançou Abilio – determinado, ambicioso e polêmico, a história do criador da marca Pão de Açúcar. E, mais recentemente, Vicente Falconi – O que importa é o resultado, sobre o consultor de empresas que revolucionou o modelo de gestão do país. Juntas, as obras venderam 550 mil exemplares. Hoje em dia, Cris vive de escrever e de dar palestras. Tem como meta lançar um livro a cada dois anos. Para isso, vai todos os dias para o escritório trabalhar, em um horário que pode variar de acordo com as entrevistas, palestras e eventos que tenha na agenda. Cris é dona de seu tempo, mas tem rotina. “Precisei sair do trabalho diário no jornalismo para ver o que sabia faz
ser de verdade. Só queria contar uma boa história.”
Contar boas histórias é um bom começo. Mas há boas histórias que vendem 50 mil; outras 300 mil exemplares; outras 1 milhão ou mais. O que as diferencia? “Um livro se vende pelo seu assunto, pelo autor e também pela editora que o publica. Ele passa a ser um sucesso quando está presente em vários aspectos da vida das pessoas”, afirma Marcos Pereira.
Marcos Pereira, da Editora Sextante, apostou no livro de Cris (foto: André Maceira).
NÃO BASTA UMA BOA HISTÓRIA
Segundo ele, a Sextante só publica um livro de autor brasileiro se acreditar que ele tem potencial de vender pelo menos 8 mil exemplares. Cada projeto tem seu plano de marketing e de comunicação. Há toda uma estratégia para a obra ter esse desempenho.
Responsável por vendagens espetaculares no Brasil, como O Código da Vinci, primeiro blockbuster do país (2 milhões de cópias vendidas), O Monge e o Executivo (3 milhões) e outros, Marcos dá o exemplo de Propósito, lançado recentemente, de um autor já conhecido, o Sri Prem Baba. “Ele teve uma acolhida na Editora de um dos sócios que ficou muito entusiasmado pelo projeto. Lançamos em uma época que não é fácil para divulgar uma obra, mas ele conseguiu construir uma carreira, basicamente pelo boca a boca. O livro terminou o ano mais forte do que na época do lançamento”, conta.
O conhecido boca a boca é de fato um fortíssimo mecanismo de venda. É apontado como o segundo fator que mais influencia na escolha de um livro pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope Inteligência. Que o diga Leandro Narloch, autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, lançado pela editora Leya em 2009, e de outros três guias posteriores – mais recentemente, publicou também Achados & Perdidos da História: Escravos.
O livro de Leandro Narloch levou alguns meses para ser “descoberto” e se tornar best-seller.
Sem ser um historiador nem escritor de renome, Leandro é dono de uma série de títulos sobre história que vendeu 800 mil livros. Trata-se de um feito. Jornalista, ex-repórter de Veja e ex-editor das revistas Superinteressante e Aventuras da História, ele não contou com uma divulgação maciça da mídia ao lançar o primeiro volume, nem com a benevolência da crítica. Mas até a polêmica acabou ajudando.
Vejamos sua trajetória. “Em 2004, eu procurava temas para a reunião de pauta da revista em que trabalhava quando decidi dar uma olhada nos lançamentos de livros da Amazon. Descobri ali o Politically Incorrect Guide of American History. Na hora, pensei que um livro similar no Brasil daria um barulho enorme”, diz.
UM SUCESSO PODE PASSAR MESES INCÓLUME ANTES DE ESTOURAR
Ele ficou três anos coletando material, sugerindo a ideia para editoras (pelo menos três recusaram) até que, em 2007, fechou o contrato. Dois anos depois, o primeiro Guia estava pronto. “Passou alguns meses despercebido, teve pouquíssima divulgação na imprensa, até que comentários começaram a surgir em colunas, no Twitter e no Facebook. No começo de 2010, na mesma semana em que descobri que seria pai, o livro entrou na lista dos mais vendidos e ficou por 150 semanas seguidas”, conta Leandro.
Os guias permitiram a Leandro viver de sua produção literária. Renderam convites para outros trabalhos, como colunas em jornais e sites, e uma série de televisão no History Channel. Mas ele guarda um tempinho para o ócio. E confessa sem muita preocupação: “Como juntei um cascalho com os livros, trabalho poucas horas por semana só para pagar contas. Não sou uma pessoa muito produtiva – em outras palavras, sou um tremendo preguiçoso. Ando obcecado por bitcoins, sem conseguir pensar em outros temas cotidianos.” Então, a maior parte do tempo de trabalho agora é dedicado às colunas que escreve para a Folha de S. Paulo e para a Gazeta do Povo. A que ele atribui o ótimo desempenho de vendas?
“Escrevi um livro para ser lido por muita gente. Divertido, com informação diferente do que as pessoas tinham em mão. Isso explica parte do sucesso”
Leandro prossegue: “Isso porque, no Brasil, muita gente escreve para poucos, tem vergonha de cair no gosto do público. Além disso, o livro surfou numa onda crescente de descontentamento com as narrativas da esquerda”. Ele credita parte das críticas recebidas às suas posições políticas e procura lidar com isso de forma positiva. “Se a crítica aponta um erro de informação, eu verifico a validade e, se necessário, peço desculpas e corrijo na edição seguinte. Mas a maior parte das críticas é motivada mais por minhas convicções políticas ou por algum ressentimento do que por falhas. Para essas, eu ligo muito pouco.”
De qualquer forma, diz, os comentários sobre o livro, mesmo os negativos, ajuda-ram a obra a ter vida longa. “A coleção colocou o politicamente incorreto na ordem do dia, inspirou outros livros e debates, prestou um serviço para a história. Os historiadores podem ficar arrepiados, questionar as fontes, mas a série continua provocando até hoje”, afirma também Pascoal Soto, o editor que apostou no projeto.
Pascoal Soto fala das semelhanças entre os livros
de Laurentino Gomes e Leandro Narloch,
que não seriam best-sellers óbvios, mas
encontraram seu caminho para o sucesso.
Trabalhando em editoras desde o fim da década de 1980, Pascoal começou no almoxarifado e tornou-se um hitmaker do mercado editorial brasileiro. Passou pela Moderna, Planeta, implantou a Leya e hoje está à frente de um selo chamado Estação Brasil, vinculado à Editora Sextante, que publica ficção e não ficção sobre o Brasil.
Ele já havia lançado 1808, best-seller de Laurentino Gomes, que, assim como Leandro, não era escritor. Depois do primeiro livro, tornou-se uma referência no mercado editorial lançando uma trilogia histórica. Ele comenta a similaridade de ambos:
“Tanto no caso do Laurentino quanto do Leandro, o que arrebatou o leitor não foi o nome do autor, mas a obra”
O livro de Laurentino, por exemplo, reúne uma série de condições favoráveis. Foi lançado no momento certo; tinha uma efeméride forte, o aniversário da chegada da família real portuguesa no Brasil; uma capa espetacular e foi referendado por historiadores importantes, como Mary Del Priori. Além disso, o texto é levado ao público como uma grande reportagem, acessível, fácil de ler.
Foi na esteira do sucesso de 1808 que Pascoal recebeu o projeto de Leandro. “Quando li, decidi apostar. Me entusiasmei com a ideia. Era pop, legal, tinha uma linguagem interessante, não acadêmica, jovem. Não havia nada parecido no Brasil, mas sabia que a imprensa especializada não daria muita atenção. Uma campanha de marketing forte e localizada nas redes sociais traria o boca a boca. No fundo é disso que o mercado vive”, diz.
Pascoal Soto acredita que chegar a um patamar de venda como Leandro ou Laurentino depende de muitos fatores. Mas os escritores de primeira viagem não precisam desanimar. Ele garante que a indústria editorial brasileira não sobrevive somente de best-sellers. “Sempre vai haver espaço para um livro bom. O mercado que não aparece na lista dos mais vendidos é imenso e há poucas máximas nas quais devemos acreditar. Poesia não vende? Contos e crônicas não vendem? É um erro pensar assim. É mais difícil, mas vendem sim. Os bons livros encontram um jeito de sobreviver.”